domingo, 22 de junho de 2008

linha amarela

Passos até a esquina funda da pele, comentários vadios tremem os pés de Clara na calçada, mas ela ainda procura algo. Nada existe além do frevo entopido de festa que a desintegra na calçada, por isso prefere a rua. É... a rua, que escorre o pavor de tudo em suas pernas magras de tanto desprazer, ela se modela a cada dia e vai bem na escola, mas seus passos são tristes, seus óculos ficaram fracos e o coração já não aguenta mais. Tudo e todos continuam falando, cantando e buzinando, continuam a irritar suas palavras e tentam estupidamente decifrá-la sempre.
Todos os seus gostos, desejos e mágoas estão escondidos e ela teme não sentir nuvens. Já faz tempo que ela não consegue chorar, seus pesadelos estão devorando algo que ela nem sabe o que, mesmo assim não chora.

Semana passada uma luz encharcou seus olhos e ela pôde entender suas dores mais claramente. Um copo de vinho e seu cigarro de sempre te fizeram sonhar de novo, se jogou nas margens curvas da morte e finalmente chorou seu inteiro coração. Foi um suspiro, o suspiro... soltou os braços e se entregou a uma ponta afiada de aço. Deus te negou o sopro.
Clara escorreu até o meu canto negro acabar, te olhei nos olhos e ví o vazio de não ser o que se é amedrontado pela beleza do óbvio.
Sangue, vida e pavor.
Tédio, ódio e tristeza.
Agora chegou a hora de tudo escorrer. Derreter as marcas do berço, a menina que tinha as mãos no bolso, sonhava com árvores até tudo se implodir e o oxigênio faltar. Agora ela não passa de uma lápide no cemitério vizinho onde se transformou finalmente em simples palavras que resumiram toda uma vida evaporada em minhas mãos.
Clara fica lá dentro e tem dias que ela recussita meus medos,
não consigo mais chorar.