domingo, 28 de novembro de 2010

Quando

passa de meia noite, cada rua da cidade onde eu moro vira esquina, toda moça que eu olho vira menina e meu dinheiro acaba.
Pego uma carona boa pra voltar. Chego em casa sem saber das escadas, meu cansaço vira elevador. Deito no meu mundo de travesseiro e o escuro gira e gira.

Fecho os olhos e viro um remédio em estômago vazio.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ombros de algumas mulheres

Todas as mulheres procuram o amor. Isso faz com que sonhem muito, os olhares perdidos são por dentro segredos ensurdecedores, é como se inicialmente a mulher fosse predestinada à ordem, a resultados e moderações. O que as difere é o efeito, abreviar-se ou evoluir.

Sonham, desperdiçam, fingem, o tratam como necessidade, não importa a interpretação do que de fato seria o amor, acredito que tudo é uma questão de moldes. O amor excede receitas.

Depois de tanto, o amor de algumas evapora sem gravidade nem física. Fica ali escapando pelos poros a casualidade, o descobrimento e o prazer de se permitir saborear o que as noites trazem na bandeja, até que tudo vire um jogo.

Esse jogo, como qualquer outro, tem regras. Regras que não existem por opção ou maldade, elas apenas ajudam na vitória: Forçar desapego para que a ausência seja mais bem digerida nos dias posteriores. É como apostar em algo que se tem certeza, pagar por algo que já se tem, mesmo que soe impróprio, isso cifra devagar as nossas curvas. Se aventurar, cortar e arranhar para que nunca alcance nenhuma definição. E feito um acrobata o coração assume sua posição de jogador e se torna responsável pelos altos e baixos.

Difícil não é ganhar o jogo e sim descobrir-se incapaz de entender o limite entre permissão e descuidado. Com o tempo a gente acaba aprendendo a se perder e percebe que encher o peito e suspirar sem culpa nem medo alivia os calos. Ganhar o jogo é sair dele com cordas e pescoços.

Não importa o tamanho nem o peso, o sutiã marca fundo nossos os ombros, dentro e fora, todos os dias.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Coração movediço

quando o desprazer começa
muros são criados para que ninguém escute

de noite todo mundo fala alto e rí
menos ele que estica as pernas,
apoia o queixo de leve sobre o peito e cruza as mãos,
vai embora na hora que levanta e paga a conta feito um canalha.

entra no carro, uma boa música começa e ele pensa que poderia ser assim tão fácil

chega em casa mudo,
escova os dentes, metralha o espelho e se apaixona pelo seu reflexo raivoso.

desaparece embaixo dos lençóis,
deitado ele percebe que ser miserável acalma sua solidão.

todo pecado faz sentido quando se fantasia a própria morte pelo prazer da ilusão,
vale a pena morrer quando se é ressuscitado por línguas.

sábado, 4 de setembro de 2010

A gente não pára

O ônibus demora. O intervalo que ele leva de um bairro a outro vale mais de um cigarro, e quando ele chega, o motorista me repara com olhos de lobo e nossos olhares se esbarram sem rumo no retrovisor. De novo e de novo.
Observo a rua inundada de velhos que trabalharam a vida inteira e o que sobrou foram alguns postes acesos na saída de um bar e pouca resistência.
Penso no meu cigarro, na possibilidade de poder observar e pensar tudo num só trago.
O caminho é rápido, chego lá mais rápido ainda.
Nos meus planos, me devolvo aos meus antigos amores e os novos explicam todo esse suor. É bom morar um no outro, difícil é não ir embora descansado.
O motorista ainda me vigia e alcançar a saída vira quilômetros. Chego no meu destino tendo a certeza que vou esperar de novo sem poder fumar um ônibus que nunca chega.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Hoje não escolherei um título

Esse tempo longe me fez pensar em traição. Gosto daqui, gosto das atrizes que passeiam por cada postagem, gosto de ler os meus silêncios benditos, prosperar os desejos que viraram comprimidos de tarja toráxica, de fazer da tela um alguém que eu não sei se sabe, mas vê. Me traí quando senti medo de voltar, me por do avesso de novo e me pendurar vermelha na parede me fez ter menos coragem e mais saudade.
O fato é, achar bobo o que se sente vira um despreparo seguido de fraqueza. Fugir e se instalar no medo não ajuda, eu sei, estou indo e voltando seguidamente.
Não aprendo muita coisa, só acho desperdício deixar escapar.
É bom estar de volta.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Longe

Pouca gente entende, mas o silêncio que vomito é presságio de carnaval privado.


até,

terça-feira, 11 de maio de 2010

Numa fria manhã quente

Foram filmar a vida dele para um filme. Um artista tão importante não poderia deixar de receber essa homenagem, mesmo sendo muito tímido, acabou cedendo na condição de avaliar e acompanhar as gravações.
Começaram pela fazenda onde ele cresceu, continuava bem simples. A terra era escura e bem macia, tinha um cheiro forte que remetia a alguma coisa que eu sentia, algo pesado. Ele fala bem pouco e seus olhos sempre se posicionam irresistivelmente baixos.
Minha mãe acha que ele é muito velho pra mim, mas eu nunca me importei com as rugas, muito pelo contrário (muito). Sua voz, suas mãos e seu cheiro são como um ímã, dá ainda mais sede. Caminhávamos todo dia entre as câmeras analisando cada detalhe, cada parede e o porquê das cores.
Quando a equipe de filmagem foi embora ele segurou as minhas mãos, me olhou diretamente enquanto eu borbulhava de olhos transparentes. Me levou pelas mãos durante todo o quintal, pisei com os dedos abertos tentando mascar a terra que rendia muitos maracujás. Tentei sentir tudo o que queríamos. Naquele momento permiti que todo o amor fluísse.
Quando chegamos na varanda, ele se sentou na cadeira de balanço bronze com as roupas ainda sujas e mãos limpas. Passeou devagar pelo meu vestido branco de pequenos detalhes vermelhos, toques que nos silenciava durante horas, me sentou num abraço certeiro. Seu hálito queimava meu ouvido em beijos que encharcavam meus poros. Bocas com um gosto só, num ritual de rendição completa fui totalmente dele. Me agarrei em seu pescoço e nos afogamos.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sob efeito

Começar falando da lua é quase um clichê, digo “quase”. Ver a lua é comer a lua, lambuzar-se de lua, sentir o gosto na língua e afogar. Não dá pra ignorar aquele sol da noite arrombando meus olhos alaranjados. Me sinto diferente quando a lua grita assim, meu corpo é muito sensível a todas as minhas ações. Tento ao máximo me concentrar no enredo bobo que inventei para amar alguém, mas ao mesmo tempo me delicio com a lembrança de que amei e que pretendo.

Uma mistura heterogênea de calma e agonia percorre, confunde carne e sensibilidade numa combinação lírico amorosa. A tragédia dos sentidos e a fertilidade da carne. Os pêlos dão passe livre à pele, sinto um vento frio e termino de comer o céu com olhos e estômago vazios.

Num alongamento simples e enervante, escorro meus dedos de uma mão à outra passando pela nuca, completamente maleável. Tendões e músculos se contraem em perfeita sinfonia com os suspiros que só eu escuto de olhos fechados. Uma multidão colossal canta, grita, bebe e brinda num fervor banal e erudita, a chuva no oceano.

domingo, 25 de abril de 2010

Rapando o seco

Um zumbido estranho me fez levantar da cama, cansei de rolar pra lá e pra cá então resolvi levantar. Fui até a cozinha mergulhar num copo de água, mas acabei escorregando na pia. Comecei a jogar freneticamente todas as vasilhas sujas pra fora dalí na esperança de achar um corpo pequeno, antes que eu me diluísse e esse fosse meu fim. Achei um pedaço, depois outro, depois outro, depois outro, depois outro. Não me aquietei enquanto não tivesse todos na minha mão, mas pra minha sorte, diluí só o que já me foi necessário.
Me peguei desacordada, coloquei num canto seco perto do pano de prato de terça-feira e comecei a observar. Me assustei quando ví que minha orelha estava mais vermelha que o normal, começei a acordar meio fraca, olhos baixos, mas com um sorrizo leve: "o zumbido só piorou".

terça-feira, 13 de abril de 2010

A mulher e suas mortes vivas

Por ser mulher e a mais nova dos sete irmãos, fui sempre a mais carente. Meu pai era rígido demais, me batia sempre que eu fazia coisas de meninos (subir em árvores e andar de bicicleta), mas ele me amava muito. Perdí minha mãe. Eu achava que a falta dela iria sumir, vê-la e ouvi-la pela casa era apenas uma forma de esquecer aquele dia em que empinei os pézinhos para alcançar os olhos sobre sua palidez no caixão. Meus irmãos começaram a ir para a cidade trabalhar e eu ficava em casa brincando com meu irmão um ano mais velho que cuidava de mim.
Antes um pouco de completar 14 anos meu pai morre deixando seus filhos numa fazenda longe e simples. Minhas obrigações de certa forma acabaram, fiquei sem chão, sem mãe e sem pai. Ia para a escola porque gostava, ninguém mandava ou conversava comigo sobre a importância. Gostava mais do voley.
Aos 18 me ingressei na polícia de Brasília, daí surgiram as manias de limpeza e organização. Foi uma fase ótima, ganhava bem, comprava bens. Até que um dia conheci meu ex-marido, fizemos três filhos, mas a mais nova não vingou, morri por dentro.
O caixão da minha mãe que era grande demais pra uma garotinnha magricela e o da minha filha era pequeno demais para uma mãe internada, essas são as imagens que eu nunca serei capaz de esquecer. Não se lembrar da mãe e não saber o rosto da filha.
Hoje dou aula para crianças, estou me especializando em psicopedagogia e marco meus filhos em chaves nos parágrafos do meu livro xerocado. Me considero uma pessoa feliz, faço o que gosto e pretendo algum dia publicar algumas bobas poesias.

terça-feira, 6 de abril de 2010

chorar demora

antes eu costumava derramar dor de alma.
hoje me sinto muito incapaz quando penso na inocência do ato, simplesmente não flui.
o porque disso me ocorre mas não escorre, só demora.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Para se tirar as folhas

Tudo muda quando se reage a paixões.
No riacho mais perto Maria pega água todo dia antes do sol começar. Filhos ela teve, dois foram pra cidade ganhar a vida e três morreram de peste. O marido foi comido pelo mato na caçada da última primavera, até hoje quando anoitece Maria canta na varanda de vestido e presilha de cores iguais pra esperar o Zé. Ela escuta os bichos da noite acordando na folhagem e aperta suas mãos secas contra o peito, (de novo) não era o Zé. Seus olhos fortes aumentam a solidão da terrinha desbotada que compraram anos atrás, antes não cabia, agora sobra tudo quando ela fuma de tardezinha. Banho de riacho frio antes de ir colocar o vestido que hoje é rosa fraco, tecido velho para esperar na varanda, engolindo o mundo. Não há um dia em que ela não pense no peso da violenta solidão que sustenta, ir embora não seria a solução, melhor ficar e preparar um café caso tenha visita.
Um silêncio confuso que se auto explica vira mar nos olhos até chegarem os urubus, tudo não passa, só seca e se decompõe para ser digerido no quintal.