sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sob efeito

Começar falando da lua é quase um clichê, digo “quase”. Ver a lua é comer a lua, lambuzar-se de lua, sentir o gosto na língua e afogar. Não dá pra ignorar aquele sol da noite arrombando meus olhos alaranjados. Me sinto diferente quando a lua grita assim, meu corpo é muito sensível a todas as minhas ações. Tento ao máximo me concentrar no enredo bobo que inventei para amar alguém, mas ao mesmo tempo me delicio com a lembrança de que amei e que pretendo.

Uma mistura heterogênea de calma e agonia percorre, confunde carne e sensibilidade numa combinação lírico amorosa. A tragédia dos sentidos e a fertilidade da carne. Os pêlos dão passe livre à pele, sinto um vento frio e termino de comer o céu com olhos e estômago vazios.

Num alongamento simples e enervante, escorro meus dedos de uma mão à outra passando pela nuca, completamente maleável. Tendões e músculos se contraem em perfeita sinfonia com os suspiros que só eu escuto de olhos fechados. Uma multidão colossal canta, grita, bebe e brinda num fervor banal e erudita, a chuva no oceano.

domingo, 25 de abril de 2010

Rapando o seco

Um zumbido estranho me fez levantar da cama, cansei de rolar pra lá e pra cá então resolvi levantar. Fui até a cozinha mergulhar num copo de água, mas acabei escorregando na pia. Comecei a jogar freneticamente todas as vasilhas sujas pra fora dalí na esperança de achar um corpo pequeno, antes que eu me diluísse e esse fosse meu fim. Achei um pedaço, depois outro, depois outro, depois outro, depois outro. Não me aquietei enquanto não tivesse todos na minha mão, mas pra minha sorte, diluí só o que já me foi necessário.
Me peguei desacordada, coloquei num canto seco perto do pano de prato de terça-feira e comecei a observar. Me assustei quando ví que minha orelha estava mais vermelha que o normal, começei a acordar meio fraca, olhos baixos, mas com um sorrizo leve: "o zumbido só piorou".

terça-feira, 13 de abril de 2010

A mulher e suas mortes vivas

Por ser mulher e a mais nova dos sete irmãos, fui sempre a mais carente. Meu pai era rígido demais, me batia sempre que eu fazia coisas de meninos (subir em árvores e andar de bicicleta), mas ele me amava muito. Perdí minha mãe. Eu achava que a falta dela iria sumir, vê-la e ouvi-la pela casa era apenas uma forma de esquecer aquele dia em que empinei os pézinhos para alcançar os olhos sobre sua palidez no caixão. Meus irmãos começaram a ir para a cidade trabalhar e eu ficava em casa brincando com meu irmão um ano mais velho que cuidava de mim.
Antes um pouco de completar 14 anos meu pai morre deixando seus filhos numa fazenda longe e simples. Minhas obrigações de certa forma acabaram, fiquei sem chão, sem mãe e sem pai. Ia para a escola porque gostava, ninguém mandava ou conversava comigo sobre a importância. Gostava mais do voley.
Aos 18 me ingressei na polícia de Brasília, daí surgiram as manias de limpeza e organização. Foi uma fase ótima, ganhava bem, comprava bens. Até que um dia conheci meu ex-marido, fizemos três filhos, mas a mais nova não vingou, morri por dentro.
O caixão da minha mãe que era grande demais pra uma garotinnha magricela e o da minha filha era pequeno demais para uma mãe internada, essas são as imagens que eu nunca serei capaz de esquecer. Não se lembrar da mãe e não saber o rosto da filha.
Hoje dou aula para crianças, estou me especializando em psicopedagogia e marco meus filhos em chaves nos parágrafos do meu livro xerocado. Me considero uma pessoa feliz, faço o que gosto e pretendo algum dia publicar algumas bobas poesias.

terça-feira, 6 de abril de 2010

chorar demora

antes eu costumava derramar dor de alma.
hoje me sinto muito incapaz quando penso na inocência do ato, simplesmente não flui.
o porque disso me ocorre mas não escorre, só demora.