quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Coração movediço

quando o desprazer começa
muros são criados para que ninguém escute

de noite todo mundo fala alto e rí
menos ele que estica as pernas,
apoia o queixo de leve sobre o peito e cruza as mãos,
vai embora na hora que levanta e paga a conta feito um canalha.

entra no carro, uma boa música começa e ele pensa que poderia ser assim tão fácil

chega em casa mudo,
escova os dentes, metralha o espelho e se apaixona pelo seu reflexo raivoso.

desaparece embaixo dos lençóis,
deitado ele percebe que ser miserável acalma sua solidão.

todo pecado faz sentido quando se fantasia a própria morte pelo prazer da ilusão,
vale a pena morrer quando se é ressuscitado por línguas.

sábado, 4 de setembro de 2010

A gente não pára

O ônibus demora. O intervalo que ele leva de um bairro a outro vale mais de um cigarro, e quando ele chega, o motorista me repara com olhos de lobo e nossos olhares se esbarram sem rumo no retrovisor. De novo e de novo.
Observo a rua inundada de velhos que trabalharam a vida inteira e o que sobrou foram alguns postes acesos na saída de um bar e pouca resistência.
Penso no meu cigarro, na possibilidade de poder observar e pensar tudo num só trago.
O caminho é rápido, chego lá mais rápido ainda.
Nos meus planos, me devolvo aos meus antigos amores e os novos explicam todo esse suor. É bom morar um no outro, difícil é não ir embora descansado.
O motorista ainda me vigia e alcançar a saída vira quilômetros. Chego no meu destino tendo a certeza que vou esperar de novo sem poder fumar um ônibus que nunca chega.