terça-feira, 11 de maio de 2010

Numa fria manhã quente

Foram filmar a vida dele para um filme. Um artista tão importante não poderia deixar de receber essa homenagem, mesmo sendo muito tímido, acabou cedendo na condição de avaliar e acompanhar as gravações.
Começaram pela fazenda onde ele cresceu, continuava bem simples. A terra era escura e bem macia, tinha um cheiro forte que remetia a alguma coisa que eu sentia, algo pesado. Ele fala bem pouco e seus olhos sempre se posicionam irresistivelmente baixos.
Minha mãe acha que ele é muito velho pra mim, mas eu nunca me importei com as rugas, muito pelo contrário (muito). Sua voz, suas mãos e seu cheiro são como um ímã, dá ainda mais sede. Caminhávamos todo dia entre as câmeras analisando cada detalhe, cada parede e o porquê das cores.
Quando a equipe de filmagem foi embora ele segurou as minhas mãos, me olhou diretamente enquanto eu borbulhava de olhos transparentes. Me levou pelas mãos durante todo o quintal, pisei com os dedos abertos tentando mascar a terra que rendia muitos maracujás. Tentei sentir tudo o que queríamos. Naquele momento permiti que todo o amor fluísse.
Quando chegamos na varanda, ele se sentou na cadeira de balanço bronze com as roupas ainda sujas e mãos limpas. Passeou devagar pelo meu vestido branco de pequenos detalhes vermelhos, toques que nos silenciava durante horas, me sentou num abraço certeiro. Seu hálito queimava meu ouvido em beijos que encharcavam meus poros. Bocas com um gosto só, num ritual de rendição completa fui totalmente dele. Me agarrei em seu pescoço e nos afogamos.