sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Néctar

O toque da cafeteira gritava. Demora um pouco a se levantar, o braço se estica. Só há travesseiros e saudades de um tempo que nem foi. Vai para o banheiro e sempre de lá, olha durante longos segundos a sua cama vazia, sente a solidão do arredondado espelho e não faz a barba. Desce as escadas de samba canção, camisa cinza e um nó desleixado no roupão. Escorrega levemente os óculos até a ponta do nariz pra ver se o jornal já chegou e não tem um cachorro.
Sua cerca é branca, a caneca é a de sempre e o café, igual e sem açúcar.
Começa a ler o jornal colocando mais farinha no mingau pra engrossar, nunca se preocupava com o tempero, sentia necessidade de doce, mas achava enjoativo. Senta, olha em volta e suspira. Nunca gosta do mingau...
Ele quer um amor, mas já se sente perdido. Se sente fraco por deliciar pimenta barata, exige bastante do sexo oposto, mas se sente amedrontado e se bloqueia. Namorou uma ou talvez duas, quase amou. Mas nessa manhã, de céu flutuante, de galhos no vidro, ele só pensa nela. Ela que ele não sabe quem, pouco conhece, mas sente que esperou sempre por isso. De algum jeito ela estava sempre lá, nas músicas, nos lençóis, na infância, no gosto de morango e no seu medo. Acha difícil esquecer o sentimento vazio que parece afogá-lo em desgosto de nunca ter, quando deseja, a pele quentinha por entre os braços. Insiste sempre na idéia de nunca alcançar um verdadeiro amor correspondido, as cicatrizes mal o deixam tentar e então se esvai a essência de seu próprio gosto. Um aborrecimento por todo seu ego.
Acha melhor não se expor e termina contendo seu berro sufocado.

E quando o sol de novo vem, sente-se cavando na alma o desejo de sentir um ligeiro bom dia na orelha, contudo
o tudo se cala.

2 comentários:

Lupe Leal disse...

é como ler-me, um dia quem sabe.


sinto.

Miss Lou Monde disse...

Adorei, tantantã, adorei, tantantã! Um personagem esquisitamente apaixonante!Posso colocar o link do seu blog no Filia? ^.^'